A Criança Que Não Queria Falar, Torey Hayden
Título Original: One Child
Autor: Torey Hayden
Editora: Editorial Presença
Páginas: 240
ISBN: 9789722336840
Colecção: Grandes Narrativas
Sinopse
Era uma criança de seis anos insociável, violenta, perdida num mundo de raiva e sofrimento... até encontrar uma jovem e brilhante professora.
Esta é a história verídica e comovente da relação entre uma professora que ensina crianças com dificuldades mentais e emocionais e a sua aluna, Sheila, de seis anos, abandonada por uma mãe adolescente e que até então apenas conheceu um mundo onde foi severamente maltratada e abusada. Relatada pela própria professora, Torey Hayden, é uma história inspiradora, que nos mostra que só uma fé inabalável e um amor sem condições são capazes de chegar ao coração de uma criança aparentemente inacessível. Considerada uma ameaça que nenhum pai nem nenhum professor querem por perto de outras crianças, Sheila dá entrada na sala de Torey, onde ficam as crianças que não se integram noutro lugar. É o princípio de uma relação que irá gerar fortes laços de afecto entre ambas, e o início de uma batalha duramente travada para esta criança desabrochar para uma vida nova de descobertas e alegria.
Quando
aconselhava os livros da Cathy Glass falavam-me sempre dos livros da Torey
Hayden. E como não tinha nenhum livro dela, emprestaram-me este. E que dizer?!
Apenas que é tão bom ler estas histórias porque me faz perceber que afinal
neste mundo existem pessoas que não são apenas mais umas entre tantas, mas que
fazem a diferença, marcam pela diferença e mudam um rumo que, à partida, está
destino ao insucesso.
É
assim este livro baseado numa história real. Originalmente publicada em 1980,
esta história poderia ser remetida aos nossos dias. Pode parecer patético
aquilo que vou dizer, mas foi com surpresa que verifiquei que esta história se
passou há mais de 30 anos, onde os recursos eram escassos mesmo em países com
os EUA, mas que bastou haver alguém com coragem suficiente para mudar a vida da Sheila, a
protagonista desta história.
Sheila
tem apenas seis anos mas já se viu confrontada pelo abandono da mãe e do irmão
mais novo, é vítima de violência pelo pai alcoólico que assim a tenta colocar
na linha, também é obrigada a ignorar qualquer ajuda dos outros porque o pai
não aceita caridade. Por isso, usa todos os dias a mesmas jardineiras e
t-shirt, completamente sujas e a cheirar a urina. Também não toma banho, porque
o pai apenas traz água para casa para outras utilidades. Não confia nos outros,
nunca chora e aparentemente é um perigo para a sociedade, porque incendiou um
rapaz. E é neste estado que é colocada na turma especial de Torey Hayden,
enquanto espera por uma vaga num hospital psiquiátrico.
Tal
como Torey havia pensado, uma criança de 6 anos, independentemente do que tenha
feito até aqui, é sempre uma criança. Todas as atitudes da Sheila eram um
culminar de algo que já lhe tinha acontecido. A maneira de se proteger e saber
que apenas pode contar consigo, a maneira de mostrar aos outros que é forte e
não ceder uma única lágrima quando é castigada, ou a maneira com que reage
perante os outros e perante o falhanço. Todos nós achamos fácil julgar os
outros mas nunca questionamos que por detrás de todos aqueles comportamentos tem
de estar uma causa-efeito. E é verdade que nem tudo pode servir como desculpa,
porém se muitas vezes nos colocássemos do outro lado perceberíamos muito melhor
a suas atitudes.
Assim começamos a conhecer uma nova Sheila. Uma criança dotada de uma inteligência incrível, adora cálculos e ler, mas
durante metade do livro odeia escrever. Acaba por ceder e no final do livro a
Torey é recompensada por um poema da sua autoria. É uma miúda cheia de
força e lutadora, tenta não mostrar vulnerabilidade perante os outros nem
perante as adversidades da vida. De alguma maneira tenta aceitar a sua
realidade, apesar das muitas questões que lhe assolam a alma. Nota-se nos
diálogos com a Torey que tem uma mentalidade para além dos seus 6 anos. Com uma
coragem incrível, este pequeno ser, mostrou que não importa de onde viemos, o
que importa é onde vamos chegar. Adorei o momento em que ela ficou encantada
com os malmequeres «o meu coração estar tão grande e creio ser a pessoa mais
feliz do mundo.» Uma criança que apenas queria ser amada e valorizada.
Este
livro não me fez só apaixonar por esta criança, mas por todas as outras da “sala
dos malucos” assim com os colaboradores da Torey. Anton, um hispânico que
graças a este trabalho percebeu o gosto que tinha em ajudar crianças e no final
do livro ficamos a saber que foi aceite na Universidade, e a Whitney, uma rapariguinha
de 14 anos que ao menos naquela sala se sentia aceite. Mas o reconhecimento vai
para a Torey, de Janeiro a Maio os progressos da Sheila são extraordinários, e sem
ela, a Sheila nunca teria tido a oportunidade de entender que tem potencial e
que há amor em qualquer lado, mesmo que nos tenhamos de separar uns dos outros.
Temos de cativar, como fez a raposa e o principezinho do Principezinho. Mesmo a maneira de dar aulas e de focar a importância
de discutir assuntos pesados com crianças foi brilhante. Todas estas crianças
tinham problemas mas ali queriam só ser aceites e valorizadas.
Único ponto
que desgostei foi a tradução. «Grudado» não é um termo de PT-PT mas PT-BR,
assim como esta frase «estávamos um pouco bebidos», sinceramente não percebi
esta escolha de palavras.
Recomendo
vivamente para quem gosta de histórias verídicas e que contenham aparentes finais
felizes. Não nos é dito como continuou a vida da Sheila, mas pelo menos, as 237
páginas deste livro, lembram-nos que foi preciso uma pessoa acreditar para mudar
o curso da vida desta criança, nem que seja só durante algum tempo. Um livro
único.
Citações:
“E a
melhor forma de se proteger da rejeição dos outros consistia em ser-se o mais
detestável possível. Assim, o desamor nunca seria uma surpresa. Apenas pura e
simplesmente um facto.”
“Apercebi-me,
tristemente, de que nunca compreendemos o que é estar na pele do outro. E que,
longe de aceitarmos essa verdade, fingimos compreender tudo, mau grado as
limitações da nossa carne. Sobretudo a nível das crianças. Mas a verdade é que
a nossa ignorância é total.”
Classificação:
5 de 5*
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